Interação entre medicamentos e alimentos




O estudo sobre a interação entre medicamentos e alimentos é relativamente novo no campo da saúde. As informações sobre esse assunto são ainda insuficientes, entretanto, vêm crescendo nos últimos tempos, devidos aos avanços da farmacologia e da nutrição. A temática é de extrema relevância, complexa e de grande interesse dos profissionais da saúde para que ocorra melhor eficácia terapêutica, principalmente nos tratamentos longos e com o uso simultâneo de mais de um medicamento.




O fator nutrição

A maioria dos medicamentos tem a sua absorção reduzida na presença de medicamentos, alteram o metabolismo do indivíduo e consequentemente afeta o estado nutricional. Por esse motivo é fundamental destacar que uso de medicamentos deve coincidir com um bom estado nutricional da pessoa, para que ocorra a eficácia terapêutica.

A pessoa em condições normais possui um nível de proteínas séricas que garante o efeito terapêutico do fármaco. Em caso de hipoproteinemia devido a desnutrição, pode ocorrer diminuição na taxa de metabolização da droga. Essa deficiência ocorre mais provavelmente em pessoas que já possuam uma história recente de carência energética e estejam tomando vários medicamentos simultaneamente. A composição orgânica do indivíduo também influencia a resposta da droga, sendo comum, por exemplo, o acúmulo de drogas lipossolúveis no tecido adiposo. As populações de risco para esse tipo de interação são geralmente idosos, pessoas com doenças crônicas, gestantes, lactantes e fetos em desenvolvimento.





O trato digestivo

As interações droga - nutrientes acontecem através de mecanismo muito semelhantes e competitivos e podem ocorrer em vários níveis: na ingestão do alimento, na absorção da droga ou do nutriente e no transporte por proteínas plasmáticas, durante os processos de metabolização e de excreção.

O trato digestivo participa no contexto das interações droga - nutrientes através da ação dos seus sucos digestivos, cuja secreção é desencadeada pelo sistema nervoso central ou pela ingesta de alimentos. Essas secreções, encontradas em várias porções do tubo digestivo, agem basicamente hidrolisando e degradando ligações químicas específicas, através da ação do ácido clorídrico e de algumas enzimas. Tal atuação química pode alterar ou mesmo inativar alguns medicamentos quando administrados por via oral.

No intestino delgado ocorre o grande percentual de absorção dos medicamentos e alimentos, resultando em complicada inter-relações que dependem de uma série de fatores como a dosagem da droga, do tipo e quantidade do alimento, do tempo decorrido e da presença da enfermidade ou desnutrição.  A má - absorção um dos efeitos principais decorrente do uso de certas drogas e pode ser devido a um efeito sobre o lume intestinal ou a uma diminuição da capacidade de absorção da mucosa gastrointestinal. Muitas drogas causam má absorção por mais de um mecanismo.






Medicamentos X alimentos

O medicamento ideal seria aquele que demonstrasse total ausência de efeitos colaterais, no entanto ocorrem interações do trato digestivo, do medicamento e do alimento. A maioria dos medicamentos tem a sua absorção reduzida na presença de alimentos e como exemplo a refeição sólida duplica o tempo de esvaziamento gástrico, tornando o processo lento de absorção.

A composição da dieta e o tipo de alimentação podem alterar a absorção dos medicamentos. Dependendo do medicamento administrado, a absorção pode ser aumentada, retardada ou diminuída pela ingestão simultânea de alimentos, pela presença de alimentos na luz do trato gastrointestinal, por nutrientes específicos componentes dos alimentos da dieta.

Um grande volume de alimento no estômago pode atuar como barreira mecânica para o acesso do medicamento á superfície da mucosa do trato gastrointestinal. As proteínas, geralmente formam complexos com alguns medicamentos, produzindo moléculas muito grandes para atravessarem as membranas e alcançarem a corrente sanguínea.

Quando um medicamento é administrado com uma refeição pode ocorrer um retardo na sua absorção, ocasionando níveis séricos mais baixos. Esse retardo significa que o tempo necessário para sua total absorção será aumentado, e como exemplo temos a amoxicilina, cefalexina, sulfonamidas, aspirina, acetominafen, digoxina e furosemida. Em relação ao acetominafen, os efeitos dos alimentos parecem proporcionais ao teor de pectina da dieta.

Alguns medicamentos apresentam absorção reduzida quando administrados junto com as refeições e como exemplos temos a isoniazida, fenobarbital, metildopa, rifampicina, captopril e tetraciclina. A absorção da penicilina e L – dopa também é reduzida porque a presença de alimentos no estômago reduz o tempo de esvaziamento gástrico e são degradas pelo ácido clorídrico por ficarem por um período prolongado no estômago.

Alguns medicamentos têm a sua absorção aumentada pela ingesta alimentar e como exemplos temos a carbamazepina, griseofulvina lítio, propoxifeno, hidralazina e clorotiazida. O agente antifúngico griseofulvina é mais bem absorvido quando tomado com uma refeição lipídica porque é uma droga lipossolúvel e o fluxo biliar pode aumentar a absorção.

Em alguns casos, os nutrientes podem formar complexos com a droga, interferindo na sua absorção. Cálcio, ferro, magnésio e zinco em alimentos e em suplementos e em suplementos alimentares reduzem a ação da tetraciclina, devido á formação de complexos no trato gastrointestinal.

Suspensões e soluções são menos afetadas pela presença de nutrientes, porque não dependem da velocidade de dissolução e podem mover – se do estômago para intestino delgado mais facilmente.

Em tratamentos de emagrecimento em que se utilizam agentes anoréxicos, como as anfetaminas, diminuem o apetite e pode resultar em uma carência nutricional pela ingesta reduzida. É importante ressaltar que as pessoas obesas tendem a comer em resposta ao apelo sensitivo do alimento, ao invés de em resposta á sensação de fome. As crianças que também utilizam anfetaminas podem apresentar retardo de crescimento com o uso prolongado.

Tratamentos prolongados com medicamentos psicotrópicos, como diazepam e o lítio, agentes anti – histamínicos, antieméticos e aumento da ingestão alimentar.

Pessoas diabéticas que utilizam agentes hipoglicemiantes, como clorpropamida e sulfoniluréia, apresentam aumento de apetite, devido a liberação de pancreática de insulina causada por essas drogas.

Os esteroides anabólicos geralmente aumentam o apetite em pessoas debilitadas. O apetite pode ser estimulado pela testosterona. Essas drogas promovem retenção nitrogenada com aumento da massa muscular, ocasionado o ganho de peso.

O uso de glicocorticoides, principalmente quando utilizado no tratamento da leucemia, melhoram o apetite e é observado aumento de peso.

Há medicamentos como as drogas quimioterápicas que provocam modificações no paladar ou uma redução da percepção do paladar e causam náusea, vômito e anorexia.

O excesso do álcool pode causar redução da ingesta alimentares anorexia. Causas de anorexia em alcoólatras são devidas a embriaguez, pancreatite, hepatite, gastrite, cirrose, intolerância á lactose, deficiências de tiamina, zinco e proteína e perdas excessivas de potássio, magnésio e zinco. Entre os 100 medicamentos mais utilizados, mais da metade têm efeitos colaterais quando usados junto com o álcool.







Medicamentos X Metabolismo



Vários medicamentos podem causar má absorção de nutrientes, devido a um efeito sobre o lume intestinal ou uma diminuição da capacidade de absorção da mucosa gastrointestinal.
Algumas drogas diminuem o tempo de trânsito gastrointestinal e podem causar esteatorréia e levar á perda de cálcio e potássio. Outras afetam a absorção de gorduras e diminuem a absorção de vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K) e carotenos. O uso de fenolftaleína pode produzir má absorção de cálcio, vitamina D e potássio.
A cimetidina, utilizada no tratamento de gastrites, inibe a secreção de ácido gástrico e diminui a absorção de vitamina B, vitaminas lipossolúveis e colesterol.
A neomicina e outros antibióticos podem causar lesões histológicas na mucosa em apenas seis horas, causando uma má absorção de gordura, proteína, sódio, potássio, cálcio, ferro, sacarose, vitamina B e ácido fólico.
A colestiramina fixa ácidos biliares e pode causar má absorção de gorduras, colesterol, ferro, vitaminas B, A, E e K.
A colchicina, utilizada no tratamento da gota, produz dano na mucosa intestinal, resultando em inibição de enzimas, destruição do sistema de transporte e prejudica a absorção de caroteno, sódio, potássio, vitaminas B
 E D, dissacarídeos e aminoácidos.
Certos medicamentos inibem a síntese de enzimas porque competem com vitaminas para suas estruturas. Os agentes quimioterápicos utilizam esse princípio para impedir a replicação e induzir a morte da célula tumoral, pois competem com ácido fólico, provocando assim a deficiência desse nutriente.
A isoniazida, que é um medicamento utilizado no tratamento da tuberculose, forma um complexo com a vitamina B.
(piridoxina), interferindo em seu metabolismo em vários níveis, podendo causar uma deficiência dessa vitamina.

Alimentos X Metabolismos dos medicamentos



Os níveis séricos de albumina podem estar diminuídos por uma ingestão alimentar inadequada, por desnutrição ou por cirrose crônica. Nessas situações, o transporte reduzido das drogas pode alterar toda a farmacocinética e levar a um aumento na concentração da droga na forma livre, ocasionando efeitos indesejáveis ou ausência de qualquer efeito.
A composição da dieta pode também alterar o transporte plasmático de medicamentos. Dietas hiperlipidicas aumentam os níveis plasmáticos de ácidos graxos livres que se associam a albumina, ocasionando deslocamento da droga. Esse efeito também pode ocorrer durante o jejum, pois os níveis séricos de ácidos graxos livres provenientes de lipóse estão aumentados.
Fatores dietéticos como dietas hiporprotéica, hipoglicídica, aminoácidos contendo enxofre, vegetais (repolho e couve – flor), café, chá, chocolate e fibras dietéticas podem aumentar o metabolismo das drogas, tanto no trato gastrointestinal quando o fígado.
O fator dietético mais importante no metabolismo dos medicamentos é teor de proteínas. Uma dieta rica em proteínas e  pobre em carboidratos aumenta a taxa de metabolização de vários medicamentos, enquanto uma dieta hipoprotéica e hiperglicícidica diminui essa metabolização. A teofilina é um exemplo de um medicamento que apresenta metabolização mais lenta com a indicação com pouca proteína e assim permanece por mais tempo na circulação sanguínea.
Um grande número de drogas e nutrientes é metabolizado no fígado através de sistemas enzimáticos específicos. Entre os componentes nutricionais que participam desse sistema estão as proteínas, lipídios, ácido nicotínico, ácido ascórbico, vitaminas A e E, cobre, cálcio, ferro, zinco, selênio e potássio. A falta desses nutrientes pode levar a uma metabolização mais lenta. 
Alterar a quantidade de proteínas em uma dieta pode modificar a flora intestinal, o que resultará em aumento ou diminuição dos níveis séricos da droga.
Os efeitos farmacológicos de um medicamento dependem tato de sua absorção quanto de sua excreção. Tanto a excreção renal quanto a excreção biliar podem ser afetadas pelo conteúdo da dieta ou ainda por algumas condições nutricionais. A deficiência de sódio, por exemplo, leva a uma reabsorção elevada desse sal e simultaneamente do carbonato de lítio (antidepressivo), elevando o potencial tóxico do lítio, o que pode ser revertido pela suplementação de sódio ou maior ingestão de líquidos. Efeitos nutricionais na excreção renal de drogas são mais proeminentes em drogas de amplitude terapêutica limitada.






Medicamentos X Minerais



Vários medicamentos causam deficiência de minerais. A depleção d potássio, por exemplo, ocorre pelo uso de laxativos, antibióticos, diuréticos e de glicocorticoides.

Componentes minerais da dieta, incluindo cálcio, magnésio e ferro, podem formar quelatos insolúveis com as drogas, com, por exemplo, as tetraciclinas.

Os diuréticos podem produzir hipercalciúria significativa, perda de potássio, magnésio e zinco. Pessoas hipertensivas que tomam diuréticos como furosemida devem fazer reposição desses minerais.

A administração de penicilamina aumenta a excreção urinária do potássio, induz a depleção de zinco e cobre, podendo causar perda do paladar e é mais bem absorvida quando ingerida em jejum.

Em pessoas que tomam grandes doses de antiácidos, ocorre depleção de fosfato, cuja perda causa fraqueza muscular, mal – estar, parestesia, anorexia e convulsão.

A aspirina e outro salicilatos causam erosões na mucosa gástrica e intestinal que resultam em perda sanguínea. Como a consequência dessa afecção, ocorre anemia por deficiência de ferro, perda óssea em adultos, retardo de crescimento em crianças e por este motivo é necessário fazer suplementação de cálcio.

Vários medicamentos contribuem para osteoporose, interferindo na absorção de cálcio ou promovendo ativamente perda de cálcio ósseo. Quantidades excessivas de hormônios tireoidianos exógenos podem promover a perda óssea acima de determinado período.

Os glicocorticoides, prescritos para o tratamento de condições crônicas, tais como a asma, podem causar depleção de cálcio.





Medicamentos X Vitaminas



Os medicamentos aumentam a excreção de um nutriente deslocando a vitamina de um local de ligação numa proteína plasmática. Se não estiver ligada a uma proteína, a vitamina será filtrada através dos rins e excretada.
A excessiva ingestão de vegetais ricos em vitaminas K, como, por exemplo, os vegetais folhosos, laticínios e frutas, reduzem o efeito anticoagulante cumarínicos, como, por exemplo, varfarim e dicumarol.
A dieta rica em repolho pode potencializar o efeito de drogas inibidoras dos metabolismos tireoidiano ou reduzir a sua eficácia e a ingestão elevada de sucos cítricos, ricos em vitamina C aumentam os níveis sanguíneos da quinidina.
Os esteróides afetam o metabolismo da vitamina D e podem levar a perda óssea.



Nutrição enteral – cuidados



A alimentação enteral é um método eficaz para pessoas que são incapazes de se alimentarem adequadamente. No entanto, é necessário muito cuidado quando simultaneamente esta se administrando algum medicamento a essas pessoas, pois podem causar problemas, tais como diarreia, retenção da droga ou bloqueamento do tubo. Algumas drogas são incompatíveis com as formulações enterais, mas as informações nessa área ainda são escassas.  Algumas evidências sugerem, por exemplo, que o caseinato de cálcio, usado como fonte proteica em muitas formulas , possa se ligar a algumas drogas. Recomenda – se que a administração terapêutica enteral seja feita de forma separada e o tubo utilizado seja lavado com água entre uma e outra.







A ingestão de um alimento, distante, próximo, imediatamente, antes ou após as refeições pode ter muita importância na obtenção do efeito indesejado. A simples padronização da ingestão dos medicamentos com um pouco de água á temperatura ambiente, entre as refeições, pode constituir – se numa atitude saudável no sentido de evitar as interações indesejáveis entre o medicamento e o alimento. Assim sendo, sempre que iniciar uma medicação, o paciente deve procurar orientação adequada de um profissional da saúde.













Fonte: Administração de medicamentos; Autor : Nébia Maria Almeida






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